top of page

Artigo : A Imanência e a transcendência na obra do Padre Antônio Vieira.

  • Foto do escritor: Marcos Benaia
    Marcos Benaia
  • 11 de abr. de 2019
  • 11 min de leitura

Atualizado: 13 de abr. de 2019

A IMANÊNCIA E A TRANSCENDÊNCIA NA OBRA DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA.


Publicado nos anais do IX Congresso Internacional de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

( 2018 ).


Marcos Benaia Oliveira Ferreira – Mestre em Literatura e Crítica Literária (PUC Goiás - GO)


Maria Aparecida Rodrigues – Doutora (PUC Goiás - GO)


RESUMO: A harmonia entre os elementos contrários na obra barroca do Padre Antônio Vieira é a proposta temática da comunicação, tratando sob a ótica pré-socrática de Heráclito de Éfeso, Sêneca e teorias do Barroco a expressão sermonística do autor, na qual os conflitos e dramas existenciais são conciliados via percepção poética e literária dos textos. Imanência e transcendência são os principais exemplos em conciliação já que a obra de Vieira recusa a visão aguda e polarizada de mundo, numa cosmovisão inclusiva e harmônica, expressando de forma poética e amorosa suas perspectivas, sem cair no proselitismo religioso ou na doutrinação típica da catequese cristã. Os recursos literários de Vieira são amplos e de vasta abrangência, cujo repertório trata de inúmeros aspectos da vida relativos à sociedade em que vivia, à nacionalidade que servia, sempre considerando a sua singular visão cristã. Palavras-chave: Imanência; Transcendência; Barroco; Vieira.


ABSTRACT: The harmony between the opposing elements in the Baroque work of Father Antônio Vieira is the thematic proposal of communication, treating from the pre-Socratic perspective of Heraclitus of Ephesus, Seneca and Baroque theories the sermonistic expression of the author, in which conflicts and Existential dramas are reconciled via poetic and literary perception of texts. Immanence and transcendence are the main examples in conciliation since Vieira's work refuses the acute and polarized vision of the world in an inclusive and harmonious worldview, expressing in a poetic and loving way its perspectives without falling into religious proselytism or in the typical indoctrination of catechesis Christian. Vieira's literary resources are vast and wide ranging, whose repertoire deals with countless aspects of life relative to the society in which he lived, to the nationality he served, always considering his unique Christian vision. Keywords: Immanence; Transcendence; Baroque; Vieira.



1. INTRODUÇÃO



Dentre as principais obras do período Barroco, Os Sermões de Padre Antônio Vieira, Cartas e a História do Futuro são representantes de pensamentos que marcaram a história da Literatura. Enquanto textos literários e não somente tratados como literatura religiosa, a obra de Padre Antônio Vieira é expressão de uma visão de mundo que, a partir do cristianismo e seus valores, contém como referência pensamentos pré-socráticos e de importantes filósofos da antiguidade, do período do final da Idade Média e início da Idade Moderna. Uma das maiores problemáticas do pensamento religioso tradicional é superada pelo pensamento de Vieira, com o qual foi possível registrar em considerável variedade temática, ideias diversas sobre a existência, a sociedade, a política e a fé, na qual a conciliação de elementos contrários é encontrada, confirmando uma cosmovisão amparada pelo pensamento pré-socrático da escola Jônia de Heráclito de Éfeso, um dos precursores do pensamento dialético. A sermonística de Vieira não é aqui somente tratada como esquema ou método, mas também estudo de homilética por parte de sua veia religiosa. Outros sermonistas como o alemão Johann Herder, também utilizaram a técnica e metodologia da pregação sermonística para a expressividade literária. Mas, Vieira alcançou em Língua Portuguesa lugar importante e ímpar como escritor e pensador, sendo considerado por Fernando Pessoa como o Imperador do vernáculo português. Respeito alcançado pela comprovada qualidade literária que tornou universal e amplamente reconhecida a profunda e alta visão espiritual do mundo, com todos os seus argumentos éticos e estéticos de seus brilhantes textos, a transitarem entre o simples e o complexo com grande naturalidade, habilidade e sutileza.



2. HARMONIA DOS CONTRÁRIOS



Na obra do Padre Antônio Vieira é afirmado o pensamento de Heráclito de Éfeso, teorias do Barroco, como na obra do alemão Helmut Hatzfeld, considerando que a temática barroca é apresentada no intuito de conciliar contrários, ao invés de numa oposição de ideias haver um conflito entre essas posições. Sejam luz e trevas, claro e escuro, alto ou baixo, rico ou pobre, belo e feio, todas as percepções antônimas passam a ser complementares em suas condições, quando não se distinguem apenas de forma conflituosa, sendo que há riqueza na pobreza, pobreza na riqueza, beleza no feio, fealdade no belo e assim respectivamente. Não se move a roda, sem que a parte que virou para o céu seja maior repuxo para tocar na terra, e a parte que se viu no ar erguida se veja logo da mesma terra pisada, sem outro impulso para descer, mais que com o mesmo movimento com que subiu; por isso a fortuna fez trono da sua mesma roda, porque, como na figura esférica se não conhece nela primeiro nem último lugar, nas felicidades andam sempre em confusão as venturas. Na dita com que se sobe, vai sempre entalhado o risco com que se desce. Não há estrela no céu que mais prognostique a ruína de um grande, que o levantar de sua estrela. Mais depressa se move aos afagos da grandeza que nos lisonjeia, do que aos desfavores com que a fortuna no abate. Quanto trabalharam os homens para subir, tantas foram as diligências que fizeram para se arruinarem; porque, como a fortuna (falo com os que não são beneméritos) não costuma subir a ninguém por seus degraus, em faltando degraus para a descida, tudo hão-de ser precipícios; e diferem muito entre si o descer e o cair. Se perguntarmos o por que caiu Roma, o maior império do Mundo, dir-nos-á seu historiador que foi porque cresceu muito; e com efeito acabou de grande, e as mesmas mãos que a edificaram, essas mesmas a desfizeram. Sem mãos se arruinou aquela estátua de Nabuco, porque a mesma grandeza não necessita de mãos, mas só de si para se arruinar. Em um monte de glória onde assistiu Cristo, se formaram estas glórias dos raios do Sol e da brancura da neve, para que, desfazendo-se a neve com o sol, se desfizessem umas glórias com outras; porque não depende a grandeza, para a ruína, mais que de si mesma, e quando falte quem as acabe, elas mesmas se consomem. (Padre António Vieira, in "As Sete Propriedades da Alma"). Outro autor fundamental para uma posição de equilíbrio entre os valores existenciais na obra de Vieira é Sêneca, consultor político e filósofo próximo a Nero, contemporâneos de Cristo. Harmonia e equilíbrio entre aspectos gerais da vida e do mundo, a condição básica da obra textual de Sêneca registra a busca por um pensamento que integralize a existência a considerar toda circunstância ontológica em que se pode encontrar o homem. Para Séneca, autor contemporâneo de Cristo e conselheiro de Nero, cuja obra foi importante para a formação intelectual de Vieira, devemos “trabalhar como se vivêssemos para sempre, e amar como se fôssemos morrer hoje.” Já existe naquele momento histórico este importante exemplo, considerando a necessidade de se tornar unívoca a expressão dos contrários, e ,Vieira extrai a mesma cosmovisão de forma plena para sua literatura. Não somos capazes de distinguir o que é bom e o que é mau. Quantas vezes um pretenso desastre não foi a causa inicial de uma grande felicidade! Quantas vezes, também, uma conjuntura saudada com entusiasmo não constituiu apenas um passo em direção ao abismo — elevando um pouco mais ainda alguém em posição eminente, como se em tal posição pudesse estar certo de cair dela sem risco! A própria queda, aliás, não tem em si mesma nada de mal se tomares em consideração o limite para lá do qual a natureza não pode precipitar ninguém. (Séneca, in Cartas a Lucílio). De sorte que nesta proposição conciliadora, encontramos elementos inclusivos em diversos textos dos Sermões e Cartas de Vieira, perspectiva de mundo que trata a existência como um todo, sem exclusões ou polarizações entre os valores e conceitos principalmente no que tange às percepções e cosmovisões entre a imanência e a transcendência, buscando nesta expressão a valorização do presente vivo, considerando-se também como parcela fundamental da existência o que se chama além-vida. Perspectiva também superada pelo pensamento de Vieira é a visão platônica 129 de mundo, na qual as ideias conduzem ao pensamento analítico que dilacera a integridade e consistência unívoca do Universo. A análise, neste caso, é uma forma de segmentação das ideias e conteúdos, que torna dilacerada a noção de síntese que o pensamento conciliador e unitivo das teorias barrocas e do pensamento pré-socrático de Heráclito de Éfeso propõem. A união e a conciliação dos elementos é demonstrada em toda a obra do Padre Antônio Vieira como cosmovisão sintética em detrimento de um pensamento analítico que também é uma representação de uma visão racional e meramente cerebral, tornando assim a análise uma polarização de cunho cartesiano que concorre paralelamente à dilaceração de um todo unívoco, por eliminação ou anulação das perspectivas anímicas e sensíveis.



3. IMANÊNCIA E A TRANSCENDÊNCIA – VISÕES DE ESTILO DIVERSIFICADAS



A consideração existencial sobre a imanência e a transcendência, cuja visão cristã em suas doutrinas as concebe em conflito e polarização, é uma perspectiva que, na prática religiosa, estabeleceu no comportamento Visão Platônica : perspectiva filosófica que originou o padrão ocidental de pensamento, inclinado ao modelo analítico de entendimento do mundo geral e pensamento humano uma busca pela espiritualização de uma fé cuja conduta e catequese prezaram pela anulação das coisas terrenas e temporais, ligadas às forças anímicas e corporais. Sabe-se que esta forma de pensamento gera uma tensão conflituosa entre elementos que devem ser complementares e não opostos. A transcendência oposta à imanência como um desacordo eterno existencial é então superada na obra de Vieira, por uma busca à sintetização de uma harmonia que se dá pelo equilíbrio entre as parcelas antes em oposição e conflito, onde seria necessário anular um extremo para validar o outro polo. O contexto em que se desenvolveu a obra de Vieira era absolutamente desfavorável a qualquer pensamento livre e independente, mas ainda que tenha sido recebida com respeito por todos não deixou de colher resistência e perseguição política e religiosa. O Sermão do Bom Ladrão, por exemplo, foi corajosamente pregado diante da corte e da realeza, questionando a conduta dos poderosos frente ao patrimônio público e ao tratamento dado aos pobres, judeus, cristãos novos, índios e escravos na colônia portuguesa em terras brasileiras. A diferença de percepção no período barroco ocorreu no mesmo âmbito de discussão na Espanha, entre expoentes como Luís de Gôngora e Francisco de Quevedo, que divergiram entre a unicidade e a segmentação do pensamento sobre o mundo, tratando dos conceitos de contrários de forma muito distinta. Para o pensador barroco, as representações das coisas estão de uma forma geral, no processo de expressão, como um universo unitivo e integralizado por tudo, sendo que nada escapa à concepção da Criação incluindo todas as referências estéticas em seu arcabouço como parcelas válidas existencialmente a compreender o mundo como síntese de todas as coisas. A busca desta forma de validação foi expressão de Vieira, que encontrou na obra de Sêneca e no estoicismo, elementos para transformar a perspectiva espiritual transcendental em prática imanente enquanto se vive. Aspectos da realidade como a morte foram tratados como algo pertencente à vida, e a vida imanente uma conquista da vida transcendente e vice-versa. As primeiras teorias barrocas tratavam inicialmente dos elementos contrários como partes em conflito e oposição, mas novas possibilidades de visão trouxeram à tona a complementaridade destes fatores a integralizarem como busca de equilíbrio entre os pontos extremos a legítima arquitetura hermenêutica da arte barroca. Na obra do Padre Antônio Vieira são inúmeros os exemplos em cerca de duzentos sermões e quinhentas cartas escritas em quase noventa anos de vida no século XVII em grande variedade temática, que em uma escrita poética criativa e sensível à ética cristã depurada , são formas originais e inéditas de representar a vida a partir dos olhos e da pena de um eclesiástico, que não considerou necessário qualquer radicalismo ao ponto de compreender que a ideia de unidade extrapolava o entendimento religioso que se estreitava das paredes para dentro da igreja, mas entendimento este que se ampliava da suas paredes para fora em sua literatura e vida prática. A fruição da vida terrena em conciliação com a eternidade é um novo parâmetro de observação do mundo na obra de arte de Vieira. Mas, o que concede o entendimento da imanência como algo valioso para o ser humano é a consciência da realidade da morte. Para o Padre Antônio Vieira, a consciência da morte concilia com a transcendência a vida terrena, ainda que passageira e breve. O tempo em duas partes distintas: o agora e o para sempre estão unificados na existência, neste contexto artístico. O transcendentalismo doutrinário e a valorização da vida terrena de forma separada e exclusiva estão agora abolidos. Na escrita dos Sermões, dentre sua estética criativa, o autor faz uso de jogo de ideias e palavras, sempre dispondo as partes distintas de forma a considerar que cada situação ou circunstância de coisas, está imediatamente ligada a outras coisas e circunstâncias opostas, mas fazendo parte da mesma realidade que não é dissecada por visões polarizadas ou pelo racionalismo ou pelas matérias sensíveis. O conceptismo barroco enquanto jogo de ideias, então, passa a ser interpretado em Vieira como uma complementação de elementos contrários, e não oposição de elementos contrários nas ideias concebidas. A obra literária baseada em sermões traduz este importante pensamento, a ser utilizado como expressão que já aparece no principal sermão de Vieira, o Sermão da Sexagésima, pregado na Capela Real em Lisboa no ano de 1655, considerado por ele próprio como diretiva que veio a permear toda sua escrita, toda sua obra sermonística, com poética e estética eivadas de jogos de ideias e palavras, a expressarem ética e moral com sensibilidade e inteligência raramente encontradas em textos literários em todos os tempos.



4. VIEIRA E OS DOGMAS



Toda leitura a ser feita dos textos do Padre Antônio Vieira, deve ser uma vista atenta à ética e moral, tratando sempre de reforma dos costumes e atitudes que venham a unificar alma e corpo, coração e espiritualidade. Sem promoção barata de dogmas e doutrinas, Vieira demonstra que é possível tratar de temas diversos, sem ferir ou a doutrina católica ou fazer de sua pregação uma ação panfletária. A expressividade poética de Vieira não permite estreitezas intelectuais ou julgamentos precipitados sobre sua posição religiosa. Sua postura e mensagem extrapolam totalmente e originalmente qualquer limite doutrinário e ideológico. Sua posição estética propicia a interpretação de um grande espírito, um grande vulto intelectual e humano, acima das condições mais vulgares e medianas. As correlações teóricas entre a obra do Padre Antônio Vieira e a filosofia pré-socrática, ocorrem no âmbito do pensamento de Heráclito de Éfeso com grande naturalidade. A intersecção entre suas visões de mundo ocorre muito nitidamente. Pode-se dizer que Sêneca, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e até Friedrich Nietzsche expressaram igualmente o pensamento conciliador entre os contrários. Tais autores são representantes de grande importância para o pensamento filosófico dentro e fora do ambiente religioso, mas a perspectiva do verbo grego “religare” está contida intrinsecamente a suas ideias. Nada desabilita poeticamente ou filosoficamente esta concepção unitiva e agregadora, pois está dentro da religião doutrinária e também fora dela no pensamento existencialista moderno e contemporâneo. Enquanto a polarização ou maniqueísmo foi o único meio de entendimento da fé, por terem sido introjetados no pensamento cristão pela influência do pensamento de Platão, a cisão gerada pelo conflito entre extremidades passa a ser superada, mas por algo já pensado por Heráclito de Éfeso muito tempo antes. A classificação pré-socrática inclusive insere no estudo da Filosofia como seus respectivos representantes, filósofos que viveram muito tempo depois de Sócrates, Platão e Aristóteles, mas que tiveram o mesmo modo de entender o mundo.



5. CONCLUSÃO



A segmentação do pensamento que desagrega um todo, como se repartir um todo único, criado originalmente em unicidade, é uma herança do pensamento filosófico de Platão, que fundamentou todo o mundo ocidental e o pensamento analítico que arregimenta o método científico, a Ciência principalmente, com olhares cartesianos em busca de exatidão. A busca pela conceituação de verdades sob o olhar racional, porém, desconsidera a subjetividade e incerteza das artes, dos estados humanos que não são conduzidos em nome de respostas fixas e absolutas. O mistério, o labirinto das coisas subjetivas, acabam por serem tratados sob o olhar determinista, ou por visões que impõem teorias que derramam verdades absolutas sobre o que na verdade é de natureza relativa, sensível, anímica e não objetiva.




REFERÊNCIAS


CHIAMPI, Irlemar. Barroco e modernidade. São Paulo. Ed. Perspectiva: 1998.


HATZFELD, Anthony Helmut. Estudos sobre o Barroco. São Paulo: Perspectiva 2002.


VIEIRA, Antônio. Os Sermões. Lisboa. Lello e irmãos: 1959.


VIEIRA, Antônio. Cartas. Lisboa: Lello e irmãos: 1959.


VIEIRA, Antônio. História do Futuro. Portugal: Lello e irmãos: 1959.


 
 
 

Comments


Post: Blog2_Post

Contact

61983172927

Follow

  • Facebook
  • Twitter
  • LinkedIn

©2019 by Literatura Viva. Proudly created with Wix.com

bottom of page